quinta-feira, 30 de abril de 2009

Luis Fernando Verissimo

Retirado do jornal Zero Hora de hoje (30 de abril de 2009). Adorei o texto e não resisti.. Tive que postar..




Ah é, é?

Você eu não sei, mas, quando há um bate-boca como aquele entre os ministros Mendes e Barbosa, eu sempre lamento a falta de um texto melhor. Claro, no calor da briga ninguém pode escolher as palavras ou cuidar do valor literário dos seus insultos, mas é impossível deixar de imaginar o que um bom roteirista teria feito com a cena, escrevendo para os dois lados.

Certa vez, criei um personagem para um antigo programa do Jô, na Globo. Era o cara que só pensava numa boa resposta quando não adiantava mais. Ele estava caminhando na rua, dentro de um ônibus ou numa reunião com amigos e de repente soltava uma frase, como “Só se a sua mãe for junto!”. Depois explicava que dias antes alguém lhe dissera para ir tomar banho (no tempo em que mandar alguém se lavar era insulto pesado) e só agora lhe ocorria uma resposta. Na hora, ficara só dizendo “Ah é, é? Ah é, é?”, enquanto pensava numa frase devastadora que nunca vinha.

Há profissionais de resposta pronta, repentistas que retrucam não só no ato, como rimado, mas a maioria só pensa no que poderia ter dito muito depois. Humorista, e supostos humoristas, padecem mais do que os outros com a expectativa de que terão a boa resposta na ponta da língua. Como têm que zelar por uma reputação de tiradas espontâneas, são os que mais precisam pensar na frase, revisá-la e burilá-la para apresentá-la, de preferência uma ou duas semanas depois.

O sentimento de insuficiência na retaliação verbal é tão comum, que deveria existir uma expressão, talvez uma daquelas intermináveis palavras compostas com que os alemães transmitem o máximo de sensações possíveis sem o uso de vírgula, hífen ou violino ao fundo, que a descrevesse. E a expressão existe. Mas não é alemã. Diderot, o mais enciclopédico dos enciclopedistas franceses, pois aparentemente dava palpite sobre tudo, chamava a frase que só vem depois de “esprit d’ escalier”. Perfeito: o espírito que só nos socorre quando estamos descendo a escada.

Nos bate-bocas brasileiros predomina o “sprit d’ escalier”. O que vem na hora raramente passa do ‘Ah é, é? Ah é, é” ou equivalente.

(Você eu não sei, mas eu torço pelo Barbosa.).




terça-feira, 28 de abril de 2009

Refletindo sobre as cotas..

Retirado do BLOG
da Antropóloga Patrice Schuch...



O texto abaixo foi escrito em 2007, antes da UFRGS aderir as cotas
mas a discussão é pertinente e sempre atual ...


POR QUE NÃO COTAS NA UFRGS?

Claudia Lee Williams Fonseca (Professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS)
“Brasil não é um país racista”, ouvi na televisão ontem de um professor da UFRGS se manifestando contra cotas raciais. Que alívio, penso eu. Então o fato de brancos no Brasil viverem na média seis anos mais do que negros deve ser conseqüência de algum problema físico desses “outros”. Brasil “não tem segregação racial”, leio numa coluna de opinião contra as cotas. Que bom. Aquela porção (quase o dobro dos brancos) que vive amontoada nos aglomerado subnormais deve refletir um gosto cultural pela vida simples. “Não há prova estatística impedindo a ascensão social de negros”, leio de outro autor escrevendo contra cotas. Que consolo pensar que aquele grande número de negros vivendo abaixo da linha de pobreza (46.8% contra 22,4% dos brancos) deve ser porque eles simplesmente não se esforçam mais! Quanto à universidade, já que temos o vestibular para dar um atestado de neutralidade ao sistema meritocrático, devemos reconhecer que a falta de estudantes negros reflete não a discriminação racial, mas, sim, o quê? Uma inteligência inferior? Claro que não, pois esse seria um argumento racista. Não há negros na universidade, os anti-cotistas explicam, simplesmente porque esses postulantes ao vestibular têm menos anos de estudo do que os brancos e em escolas de pior qualidade. Seguindo essa lógica, a solução não é encontrar mecanismos para corrigir distorções e incluir esses historicamente prejudicados indivíduos na educação superior. É esperar que o sistema de educação fundamental melhore (ou se alguém está com pressa, que mude de bairro e entre numa escola de qualidade!).

Perdoem o tom irônico desse texto – mas fico pasma com esses argumentos pois, ao meu ver, revelam uma lógica profundamente racista. Pergunto – se não existe racismo no Brasil, como explicamos que, casualmente, os negros são os mais pobres, os mais doentes, os menos escolarizados da população? Se não é por causa da discriminação racial, deve ser por incompetência mesmo.... Quanto à questão do “racismo institucional”, podem me explicar por que a porcentagem de negros no sistema prisional continua a bater todos os recordes? Além do “mero” efeito da pobreza desproporcional entre negros, pesquisadores como Sergio Adorno já demonstraram que, diante de acusações semelhantes, o réu negro é preso e condenado com muito mais freqüência do que seu cúmplice branco...

Aliás, é difícil entender como os anti-cotistas podem se abraçar aos argumentos sofistas de um jornalista, Ali Kamel, já amplamente criticado por sua total incompreensão da estatística (ver Luis Nassif ) quando os estatísticos mais qualificados do pais, trabalhando no IBGE e PNUD chegam a conclusões completamente opostas. (*Blog de Nassif: http://z001.ig.com.br/ig/04/39/946471/blig/luisnassifeconomia/2006_10.html)

É como se os anti-cotistas estivessem comprando integralmente a noção da “democracia racial” – mito cunhado por Gilberto Freyre e já amplamente criticado por cientistas sociais durante esses últimos trinta anos. Claro que não existe segregação racial ou racismo no Brasil – do ponto de vista dos brancos que já têm acesso às benesses do ensino superior. Esses não têm preconceito contra “pessoas de cor”, desde que elas aceitem se conformar ao lugar delas indicado pelas regras “universais” de nossa seleção. Será que algum jovem afro-brasileiro já mostrou ressentimento pelo fato de que não encontra praticamente nunca um médico ou dentista negro? De que, conforme o IBGE, o negro brasileiro, em 2000, ganha na média a metade do que ganhava o branco brasileiro em 1980 (com valores corrigidos)? De que um colega branco tem mais de cem vezes as chances de entrar na universidade (obrigada André). Bem – talvez haja um pouco de ressentimento – mas esse ressentimento não é nada em relação ao ódio racial que os brancos vão sentir se imaginam que algum negro está “burlando” o sistema (que sempre funcionou tão bem!) e passando na frente da fila. É assim que devemos entender o argumento dos anti-cotistas?

Se a maioria desses argumentos soam absurdos, há alguns que expressam uma dúvida compreensível. Será que cotas na universidade pública vão servir para combater a discriminação racial e desigualdade social no Brasil? É evidente que, nessa sociedade complexa, não é possível prever todas as variáveis que vão influenciar os resultados – positivos e problemáticos – das cotas. É também evidente que uma política isolada não surtirá por si só grande efeito. Por outro lado, a situação atual é intolerável para qualquer cidadão consciente do grau de desigualdade (racial e social) em nosso país.
Já existem mais de trinta instituições no país experimentando diferentes formas de cotas e, ao que tudo indica, não ocorreu nenhum cataclismo. Na grande maioria de casos, as cotas não semearam conflitos raciais entre os estudantes, não provocaram a perda de prestígio, nem a repentina degringolada de qualidade do ensino superior. Em outras palavras, a experiência com cotas – tal como a experiência com cotas para mulheres, indígenas,”nordestinos”, ou qualquer outra categoria -- rende resultados diversos que valem a pena ser observados, analisados para reconhecer erros e ir aprimorando o sistema. Mas, para tanto, temos que ter a coragem de ensaiar novas políticas. A luta contra o assustador status quo tem que começar em algum lugar. E onde melhor do que numa instituição que se preza por sua reflexão crítica e politicamente engajada?

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Martha Medeiros VII

Outro tipo de mulher nua


Depois da invenção do photoshop, até a mais insignificante das criaturas vira uma deusa, basta uns retoquezinhos, aqui e ali. Leio que Fernanda Karina posará nua por R$ 2 milhões, depois leio que a revista não confirmou o convite, depois leio que ela vai posar sim senhor e vai utilizar o dinheiro numa campanha para eleger-se deputada, e no meio desta artilharia de informação eu fico tonta e me pergunto: quem diabos é Fernanda Karina? Ah, a secretária que esteve na CPI e que virou mais uma celebridade instantânea neste país surreal. Nunca vi tanta mulher nua. Os sites da
internet renovam semanalmente seu estoque de gatas vertiginosas. O que não falta é candidata para tirar a roupa. Serviu cafezinho numa cena de novela? Posa pelada. É prima de um jogador de basquete? Posa pelada. Caiu do terceiro andar? Posa pelada.

Dá uma grana boa. E o namorado apóia, o pai fica orgulhoso, a mãe acha um acontecimento, as amigas invejam, então pudor pra quê? Não sei se os homens estão radiantes com esta multiplicação de peitos e bundas. Infelizes não devem estar, mas duvido que algo que se tornou tão banal ainda enfeitice os que têm mais de 14 anos. Talvez a verdadeira excitação esteja, hoje, em ver uma mulher se despir de verdade - emocionalmente.

Nudez pode ter um significado diferente e muito mais intenso. É assistir a uma mulher desabotoar suas fantasias, suas dores, sua história. É erótico ver uma mulher que sorri, que chora, que vacila, que fica linda sendo sincera, que fica uma delícia sendo divertida, que deixa qualquer um maluco sendo inteligente. Uma mulher que diz o que pensa, o que sente e o que pretende, sem meias-verdades, sem esconder seus pequenos defeitos - aliás, deveríamos nos orgulhar de nossas falhas, é o que nos torna humanas, e não bonecas de porcelana. Arrebatador é assistir ao desnudamento de uma mulher em quem sempre se poderá confiar,mesmo que vire ex, mesmo que saiba demais. Pouco tempo atrás, posar nua ainda era uma excentricidade das artistas, lembro que esperava-se com ansiedade a revista que traria um ensaio de Dina Sfat, por exemplo - pra citar uma mulher que sempre teve mais o que mostrar além do próprio corpo. Mas agora não há mais charme nem suspense, estamos na era das mulheres coisificadas, que posam nuas porque consideram um degrau na carreira. Até é. Na maioria das vezes, rumo à decadência.

Escadas servem para descer também. Não é fácil tirar a roupa e ficar pendurada numa banca de jornal mas, difícil por difícil, também é complicado abrir mão de pudores
verbais, expor nossos segredos e insanidades, revelar nosso interior. Mas é o que devemos continuar fazendo. Despir nossa alma e mostrar pra valer quem somos, o que trazemos por dentro. Não conheço strip-tease mais sedutor.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Martha Medeiros VI

O cartão

EU TINHA 17 ANOS E ERA LOUCA POR um cara com quem trocava olhares, não mais que isso. Ele era o legítimo “muita areia pro meu caminhão” e jamais acreditei que pudesse vir a se interessar por mim, o que me deixava ainda mais apaixonada, claro. Mulher adora um amor impossível.

Então chegou o dia do meu aniversário. No final da manhã eu estava em casa,contando os minutos para uma festa que daria à noite, quando a empregada apareceu com um cartão nas mãos, dizendo que o zelador o tinha encontrado embaixo da porta do prédio. Abri e fiquei azul, verde, laranja: era dele! Corri para o telefone e liguei para minha melhor amiga. “Que trote bobo, você quase me mata de susto, pensa que não sei que foi você que escreveu o cartão?” Ela jurou por todos os santos e anjos que não. Liguei para outra amiga. “A letra é igual à sua, eu sei que foi você!” Não tinha sido. Liguei para outra: “Você acha que eu vou acreditar que um cara lindo que nunca me disse bom dia veio até aqui largar um cartão amoroso desses?” Ela me diagnosticou esclerose total. Bom, diante de tantas negativas, só me restou pensar: “De noite eu descubro quem é que está tirando uma comigo”. E esqueci o assunto. Semanas depois estava caminhando na rua quando encontrei o dito cujo. Ele resmungou um oi, eu devolvi outro oi, e então ele perguntou se eu havia recebido o cartão de aniversário. Minha pressão caiu, minhas pernas fraquejaram, eu só pensava: mas que idiota que eu fui! O que iria responder? “Recebi, mas jamais passaria pela minha cabeça que um homem espetacular como você, que pode ter a mulher que escolher, fosse entrar numa papelaria, comprar um cartão, escrever um texto caprichado, depois descobrir meu endereço, e então pegar o carro, ir até a minha rua, colocar o envelope embaixo da porta feito um ladrão, e aí voltar pra casa e aguardar meu telefonema. Olhe bem pra mim, eu não mereço tanto empenho.”

Respondi: “que cartão?”
Ele soltou um “deixa pra lá” e foi embora se sentindo o mais esnobado dos homens. E assim terminou uma linda história de amor que nunca começou. Dez anos depois nos encontramos casualmente e tivemos um rapidíssimo affair, mais aí já não éramos os mesmos, não havia clima, ficamos juntos apenas para ver como teria sido se. Vimos. E não escutamos sinos, não fomos flechados pelo Cupido.Cada um voltou para sua vida e nunca mais tivemos notícia um do outro. Contei esta história para um amigo outro dia e ele comentou que conhecia outras mulheres assim. Êpa, assim como? Não me humilhe!! Ora, assim medrosa, desconfiada, temendo pagar micos diante da vulnerabilidade que toda paixão provoca. Ele estava certo. Era assim mesmo que eu me sentia aos 17 anos: medrosa e incapaz de levar um grande amor adiante. Quando recebi o tal cartão, deveria ter pego o telefone e ligado imediatamente para o meu príncipe encantado para agradecer e convidá-lo para a festa.

E se ele tivesse dito: “que cartão?”

Eu responderia “deixa pra lá, mas venha à festa assim mesmo”. E então eu assumiria as conseqüências, não importa quais fossem. O nomezinho disso: vida. É sempre uma incógnita, portanto não vale a pena tentar fugir das decepcções ou dos êxtases, eles nos assaltarão onde estivermos. Se você for uma garota banana como eu fui, acorde. Ninguém é muita areia pra ninguém. Pessoas aparentemente especiais se apaixonam por outras aparentemente banais e isso não é um trote, não é uma pegadinha, não é nada além do que é: um inesperado presente da vida, que todos nós merecemos.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Martha Medeiros V

AMOR DE ESTIMAÇÃO

"Conheço uma mulher, já quase cinqüentona, que passou boa parte da sua vida apaixonada pelo primeiro namorado. Eles tiveram um romance caliente lá nos seus 18 anos, depois se separaram e cada um tomou seu rumo.

Ele casou e teve filhos, ela casou e teve filhos. Nas raras vezes em que se cruzavam pelas ruas da cidade, cumprimentavam-se, perguntavam como andava a vida de um e de outro, mas nada além disso. A verdade é que ela preservou o sentimento que tinha por ele por muitos anos, mesmo sendo feliz no seu casamento. Era um amor de estimação. Até que esse amor, tão sem ressonância, tão sem retribuição, tão sem aditivos, um dia evaporou. Perdeu o prazo de validade. Expirou.

Dia desses esta mulher recebeu um telefonema. Era ele. Oi, tudo bom? Há quanto tempo? Trivialidades de quem não se fala há anos. Ela perguntou: o que você conta? Ele respondeu que estava ligando para dizer uma única coisa: eu te amo. Corta. Não teve happy end. Ela agradeceu o telefonema, desligaram e ambos seguiram suas vidas.

Conversando com ela sobre isso, senti sua felicidade e desilusão ao mesmo tempo. Felicidade, logicamente, por ter deixado marcas profundas no coração dele: nem em sonhos ela imaginou que ele também tivesse levado esse sentimento tão adiante. E a tristeza veio da falta de ressonância, mais uma vez. Por que a demora? Por que a falta de sincronia? Como teria sido se ele houvesse dito isso alguns anos antes? Agora já não adiantava.

A beleza e a tristeza da vida podem estar em situações como esta: descobrir, tarde demais, que se ama uma pessoa. Pode acontecer até com quem está ao nosso lado neste instante. Parece que é um amor morno e sem graça, e que se acabar, tanto faz, e só daqui a muitos anos descobrir que nada era mais forte e raro do que este sentimento.

Tarde demais é uma expressão cruel. Tarde demais é uma hora morta. Tarde demais é longe à beça. Não é lá que devemos deixar floresce nossas descobertas."

Martha Medeiros IV

ATÉ A RAPA

"Olhe para um lugar onde tenha muita gente: uma praia num domingo de 40 graus, uma estação de metrô, a rua principal do centro da cidade. Pois metade deste povaréu sofre de dor-de-cotovelo. Alguns trazem dores recentes, outros trazem uma dor de estimação, mas o certo é que grande parte desses rostos anônimos têm um amor mal resolvido, uma paixão que não se evaporou completamente, mesmo que já estejam em outra relação.

Por que isso acontece? Eu tenho uma teoria, ainda que eu seja tudo, menos teórica no assunto. Acho que as pessoas não gastam seu amor. Isso mesmo. Os amores que ficam nos assombrando não foram amores consumidos até o fim. Você sabe, o amor acaba. É mentira dizer que não. Uns acabam cedo, outros levam 10 ou 20 anos para terminar, talvez até mais. Mas um dia acaba e se transforma em outra coisa: amizade, parceria, parentesco, e essa transição não é dolorida se o amor foi devorado até a rapa. Dor-de-cotovelo é quando o amor é interrompido antes que se esgote.

O amor tem que ser vivenciado. Platonismo funciona em novela, mas na vida real demanda muita energia, sem falar do tempo que ninguém tem para esperar. E tem que ser vivido em sua totalidade. É preciso passar por todas as etapas: atração-paixão-amor-convivência-amizade-tédio-fim. Como já foi dito, este trajeto do amor pode ser percorrido em algumas semanas ou durar muitos anos, mas é importante que transcorra de ponta a ponta, senão sobra lugar para fantasias, idealizações, enfim, tudo aquilo que nos empaca a vida e nos impede de estar aberto para novos amores. Se o amor foi interrompido sem ter atingido o fundo do pote, ficamos imaginando as múltiplas possibilidades de continuidade, tudo o que a gente poderia ter dito e não disse, feito e não fez.

Gaste seu amor. Usufrua-o até o fim. Enfrente os bons e os maus momentos, passe por tudo que tiver que passar, não se economize. Sinta todos os sabores que o amor tem, desde o adocicado do início até o amargo do fim, mas não saia da história na metade. Amores precisam dar a volta ao redor de si mesmo, fechando o próprio ciclo. Isso é que libera a gente para ser feliz de novo."

Martha Medeiros III

O Sentido da Vida‏


"Não é nenhuma novidade que dinheiro, viagens, status, beleza e outras coisinhas mundanas são sonhos de consumo de muita gente, mas não dão sentido à vida de ninguém. A única coisa que justifica nossa existência são as relações que a gente constrói. Só os afetos é que compensam a gente percorrer uma vida inteira sem saber de onde viemos e para onde vamos. Diante da pergunta enigmática - por que estamos aqui? - só nos consola uma resposta: para dar e receber abraços, apoio, cumplicidade, para nos reconhecermos um no outro, para repartir nossas angústias, sonhos, delírios. Para amar, resumindo.


Piegas? Depende de como essa história é contada. Se for através de um filme inteligente, sarcástico, tragicômico como Invasões Bárbaras, o piegas passa à condição de arte. O filme é uma espécie de continuação de O Declínio do Império Americano. Naquele, um grupo de amigos se encontrava numa casa à beira de um lago e discutia sobre vida, morte, sexo, política, filosofia.Em Invasões Bárbaras, estes mesmos amigos, quase 20 anos depois, se reencontram por causa da doença de um deles, que está com os dias contados.

Descobrem que muitos dos seus ideais não vingaram, que muita coisa não saiu como o planejado, só o que sobrou mesmo foi a amizade entre eles. E a gente se pergunta: há algo mais nesta vida pra sobrar? Quando chegar a nossa hora, o que realmente terá valido a pena? Os rostos, risadas, mulheres, decotes, pernas, beijos, confidências e olhares que nos fizeram felizes por variados instantes de sexo, que não preenchiam o vazio da alma. Mas, Pais e filhos, maridos e esposas, amigos: são eles que sustentam a nossa aparente normalidade, são eles que estimulam a nossa funcionalidade social. Se não for por eles, se não houver um passado e um presente para com eles compartilhar, com que identidade continuaremos em frente, que história teremos para carregar, quem testemunhará que aqui estivemos?

Só quem nos conhece a fundo pode compreender o que nos revira por dentro, qual foi o trajeto percorrido para chegarmos neste exato ponto em que estamos, neste estágio de assombro ou alegria ou desespero ou seja lá em que pé estão as coisas pra você. Se não nos decifraram, se não permitimos que aplicassem um raio x na gente, então não existimos, o sentido da vida foi nenhum.

Todas as pessoas querem deixar alguns vestígios para a posteridade. Deixar alguma marca. É a velha história do livro, do filho e da árvore, o trio que supostamente nos imortaliza. Filhos somem no mundo, árvores são cortadas, livros mofam em sebos. A única coisa que nos imortaliza - mesmo - é a memória daqueles que nos amaram e foram fiéis. "

domingo, 19 de abril de 2009

Martha Medeiros

Sensibilidade demais

Na hora de listar as qualidades que a gente quer encontrar nas pessoas com quem iremos nos relacionar vida afora, está lá a indefectível “sensibilidade”. A gente quer que o patrão seja sensível e não um grosso. A gente quer que nossa amiga seja sensível e não um trator. A gente quer - e como quer! - que nosso namorado seja sensível e não um machista brucutu.

Encontrar sensibilidade nos outros é meio-caminho andado para o entendimento. E sermos, nós mesmos, sensíveis, também é um filtro bem-vindo, é a sensibilidade que permite nossa comoção diante de um quadro, de uma música, de um amor que nos arrebata ou de uma perda irreversível. Mas admito que sinto uma certa inveja daquelas pessoas que são sensíveis mas não se tornam vítimas da própria emoção. Porque sensibilidade demais esgota a gente.

Tem horas em que o filtro não filtra coisa nenhuma: permite que a gente seja atingido profundamente por coisas que mereceriam menos entrega. Cultivamos mágoas por coisas que nos aconteceram 15 anos atrás, remoemos culpas que já foram mais que perdoadas e esquecidas, temos nosso sistema nervoso totalmente abalado porque alguém compreendeu mal nossas palavras, sofremos por questões insolúveis, sofremos, sofremos, e sofrer dá uma senhora consistência à nossa vida, mas como cansa.

Às vezes me farto dos ideais que persigo e que, por serem ideais, nunca se concretizarão plenamente. A vida é defeituosa, imprevisível, nada é exatamente como a gente gostaria que fosse - e sensibilidade é algo que faz a gente aceitar isso e ser feliz do mesmo jeito. Já sensibilidade demais dá nos nervos e fatiga à toa. Uma certa frieza nos faz andar mais rápido, não nos retém.

Como se mede, se pesa, se percebe a sensibilidade suficiente e a sensibilidade excessiva? No quanto ela joga a nosso favor ou contra. Sensibilidade suficiente refina você, lhe dá um foco na vida. Já a sensibilidade excessiva faz de você protagonista de um dramalhão mexicano. Temos escolha? Não se escolhe, é o que se é. Os que são sensíveis na medida aproveitam a vida sem duras cobranças internas. Já a turma dos excessivos pega canetas, câmeras, pincéis, sapatilhas, instrumentos, e transforma o excesso em arte. Ou faz besteiras. Cada um encontra onde colocar sua sensibilidade, uns com leveza, outros com fartão de si mesmos. Os únicos que seguem não entendendo nada são os insensíveis.

sábado, 18 de abril de 2009

Texto interessante ..

Pesquisando na internet achei um artigo muito bom em relação a Sociologia no ensino médio ... esse é o site: http://www.habitus.ifcs.ufrj.br/6finalidades.htm
Alguns fragmentos :
"Para Sociologia no ensino médio, portanto, o grande desafio a ser alcançado é promover o questionamento do social de modo a permitir aos alunos uma concepção abrangente dos valores e do daquilo que está em jogo dentro do espaço social, não permitindo que negligenciem as desigualdades, tampouco esquecendo que eles podem tornam-se agentes na busca de soluções para as dificuldades."

"Do meu ponto de vista, acredito que o bom professor é aquele que incentiva aos alunos a tornarem-se autodidatas, que abre o jogo e debate sobre a realidade com propriedade, a crítica não pode ficar apenas no âmbito da constatação e não deve haver posições diferentes para o mesmo tipo de conduta, ele deve explicar, por exemplo, que não adianta nada se indignar com os escândalos da corrupção em Brasília e não ter a mesma postura em relação a um possível desvio de verbas de um político local. Não podemos utilizar máscaras para ensinar e sermos outra pessoa fora da sala de aula."

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Vento no Litoral / Legião Urbana

De tarde quero descansar
Chegar até a praia e ver
Se o vento ainda esta forte
E vai ser bom subir nas pedras

Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando
Tudo embora...

Agora está tão longe
ver a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos
Na mesma direção
Aonde está você agora
Alem de aqui dentro de mim...

Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você esta comigo
O tempo todo
E quando vejo o mar
Existe algo que diz
Que a vida continua
E se entregar é uma bobagem...

Já que você não está aqui
O que posso fazer
É cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos,
Lembra que o plano
Era ficarmos bem...

Eieieieiei!
Olha só o que eu achei
Humrun
Cavalos-marinhos...

Sei que faço isso
Pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando
Tudo embora...

sábado, 4 de abril de 2009

A Serenata

"Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.

Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.

Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.

Quando ele vier, porque é certo que ele vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.

De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?"
Adélia Prado

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Martha Medeiros - publicado na Revista O Globo

"Eu não sirvo de exemplo para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. Uma imperfeita que faz tudo o que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou: trabalho todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado três vezes por semana, decido o cardápio das refeições, levo os filhos no colégio e busco, almoço com eles, estudo com eles, telefono para minha mãe todas as noites, procuro minhas amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos, participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova toda semana - e as unhas! E, entre uma coisa e outra, leio livros.Portanto, sou ocupada, mas não uma workaholic.
Por mais disciplinada e responsável que eu seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres. Primeiro: a dizer NÃO. Segundo: a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO.Culpa por nada, aliás. Existe a Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero. Quando você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros. Seu pai e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho.
Você não é Nossa Senhora. Você é, humildemente, uma mulher. E, se não aprender a delegar, a priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa impressão de ser indispensável. É ter tempo. Tempo para fazer nada. Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo para bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três dias. Cinco dias!Tempo para uma massagem. Tempo para ver a novela. Tempo para receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza. Tempo para fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para seu quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Voltar a estudar. Para engravidar. Tempo para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado. Tempo, principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e profissional sem deixar de existir.Porque nossa existência não é contabilizada por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam nossa caixa postal.Existir, a que será que se destina? Destina-se a ter o tempo a favor, e não contra.
A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que, se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-quê para não-sei-quem. Precisa respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si. Se o trabalho é um pedação de sua vida, ótimo! Nada é mais elegante, charmoso e inteligente do que ser independente. Mulher que se sustenta fica muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela janela. Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C.
Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante".